De Miriam Leitão
Do O Globo
O leilão de Belo Monte foi vencido pelo pior consórcio; o que foi montado na véspera, às pressas e pelo próprio governo. A participação da Queiroz Galvão ainda não estava certa. Regras estão sendo mudadas para beneficiar o vencedor.
E mais: quando a usina começar a produzir, o país estará com uma folga de 4.000 MW. O governo continua errando em Belo Monte.
Ontem à tarde circulou a informação de que a Queiroz Galvão estava fora do consórcio que venceu. Isso enfraqueceria ainda mais o grupo.
Uma fonte da empresa me informou o seguinte: — O grupo está fora por enquanto. Tudo depende de uma reunião que a Chesf está tendo agora na Casa Civil.
Esse grupo que se formou foi improvisado. Formou-se na sexta-feira. Foi preciso que a Aneel adiasse o prazo final de inscrição para dar tempo de formar o grupo que até a undécima hora não existia. Só existe porque 49,9% do capital é da Chesf. O outro, o que foi derrotado, passou meses estudando o projeto com 150 especialistas. Também se pendurou em duas estatais, mas, pelo menos, estudou o projeto durante meses.
Numa reunião na semana passada, no consórcio que perdeu, um dos empresários ainda sustentava que o custo da hidrelétrica seria de R$ 32 bilhões. Refeitas todas as contas, por insistência do executivo de outra grande empresa do grupo, chegou-se a R$ 26 bilhões. O governo alega que a obra será de R$ 19 bilhões e que o produtor se remuneraria com uma tarifa de R$ 83 o MW/hora.
Na verdade, tem muito truque embutido para tornar aparentemente mais barata a energia hidroelétrica. Um deles é o seguinte: se há um autoprodutor no consórcio, o grupo pode vender 10% da energia para esse autoprodutor e mais 20% no mercado livre por um preço maior.
Autoprodutor é uma empresa como a Vale e a Votorantim, ou seja, que vai usar parte da energia em seus próprios projetos. A Votorantim produz alumínio na região, e a Vale vai construir três siderúrgicas. Tendo dois autoprodutores, eles poderiam se beneficiar dessa regra.
Venderiam a R$ 82,90 para o consumidor cativo, e venderiam 20% no mercado livre a um preço maior. Além disso, o autoprodutor do consórcio tinha a vantagem de poder ficar com a energia livre de qualquer imposto.
O outro grupo não poderia se beneficiar dessa regra por não ter autoprodutor. Sendo assim, a regra é clara, ele só pode vender 10% no mercado livre. O problema é que no final do dia a Aneel disse que o grupo pode sim se beneficiar da regra de vender apenas 70% pelo preço que ofereceu no leilão, R$ 77,9. Nem os especialistas entenderam.
— O Bertin se declarou autoprodutor, mas para isso ele teria que consumir 400 MW médios. Eu não sei de nenhum projeto tão grande que a Bertin esteja construindo. Isso é energia equivalente a que a CSN consome — explica o consultor Mário Veiga, da PSR.
Mário Veiga é um entusiasta da energia hidrelétrica, e portanto é a favor da construção de Belo Monte. Mas ele diz duas coisas: Primeiro, a energia de Belo Monte sai por R$ 100 o MW/hora, e não pelo preço máximo (R$ 83) que o governo estabeleceu, e muito menos pelo que foi oferecido pelo grupo vencedor (R$ 77,9). Segundo, ele lamenta que tudo tenha sido feito como foi feito: — Era uma oportunidade de se fazer tudo direito, convencendo a sociedade da necessidade e oportunidade de explorar o potencial hídrico.
Feito às pressas com tudo atropelado, e ainda com mudança das condições financeiras já muito favorecidas nos últimos dias do leilão, só se consegue aumentar as resistências.
Hoje, Belo Monte tem todo tipo de opositor: quem acha que o processo de licenciamento foi mal feito; ou críticos por razões ambientais; outros a favor da hidrelétrica mas que não concordam com o processo; e quem está preocupado com o custo fiscal e o excesso de subsídios.
Ele explica que a pressa no caso não justifica esses métodos: — Em 2008, o país contratou muita energia para ser entregue em 2013 porque o crescimento era forte. O problema é que em 2009 o país não cresceu, e a demanda caiu. Mesmo projetando-se crescimento de 5% ao ano até 2013, chegaremos a 2014 com folga de 4 mil MW. Ou seja, seria muito mais razoável adiar o leilão, rediscutir o projeto e fazer com mais apoio da sociedade no ano que vem.
O professor Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da UFRJ, reafirma que Belo Monte só será economicamente viável se outros barramentos forem feitos no rio: — É um dia triste. Belo Monte é uma catástrofe social e ambiental. Só no capitalismo brasileiro se viu uma licitação com duas holdings contendo duas subsidiárias estatais uma contra a outra.
Tivemos uma grande operação financeira para bancar uma usina de baixo rendimento e alto impacto social e ambiental. A conta só fecha porque o Estado está assumindo o custo e a população não foi consultada.
Vainer lembra que haverá grande desperdício nas linhas de transmissão, que chegarão a 2 mil quilômetros de distância dos grandes centros.
As contestações judiciais vão continuar. O governo cometeu várias irregularidades durante todo o processo.
Há um rio de dúvidas em Belo Monte.
E mais: quando a usina começar a produzir, o país estará com uma folga de 4.000 MW. O governo continua errando em Belo Monte.
Ontem à tarde circulou a informação de que a Queiroz Galvão estava fora do consórcio que venceu. Isso enfraqueceria ainda mais o grupo.
Uma fonte da empresa me informou o seguinte: — O grupo está fora por enquanto. Tudo depende de uma reunião que a Chesf está tendo agora na Casa Civil.
Esse grupo que se formou foi improvisado. Formou-se na sexta-feira. Foi preciso que a Aneel adiasse o prazo final de inscrição para dar tempo de formar o grupo que até a undécima hora não existia. Só existe porque 49,9% do capital é da Chesf. O outro, o que foi derrotado, passou meses estudando o projeto com 150 especialistas. Também se pendurou em duas estatais, mas, pelo menos, estudou o projeto durante meses.
Numa reunião na semana passada, no consórcio que perdeu, um dos empresários ainda sustentava que o custo da hidrelétrica seria de R$ 32 bilhões. Refeitas todas as contas, por insistência do executivo de outra grande empresa do grupo, chegou-se a R$ 26 bilhões. O governo alega que a obra será de R$ 19 bilhões e que o produtor se remuneraria com uma tarifa de R$ 83 o MW/hora.
Na verdade, tem muito truque embutido para tornar aparentemente mais barata a energia hidroelétrica. Um deles é o seguinte: se há um autoprodutor no consórcio, o grupo pode vender 10% da energia para esse autoprodutor e mais 20% no mercado livre por um preço maior.
Autoprodutor é uma empresa como a Vale e a Votorantim, ou seja, que vai usar parte da energia em seus próprios projetos. A Votorantim produz alumínio na região, e a Vale vai construir três siderúrgicas. Tendo dois autoprodutores, eles poderiam se beneficiar dessa regra.
Venderiam a R$ 82,90 para o consumidor cativo, e venderiam 20% no mercado livre a um preço maior. Além disso, o autoprodutor do consórcio tinha a vantagem de poder ficar com a energia livre de qualquer imposto.
O outro grupo não poderia se beneficiar dessa regra por não ter autoprodutor. Sendo assim, a regra é clara, ele só pode vender 10% no mercado livre. O problema é que no final do dia a Aneel disse que o grupo pode sim se beneficiar da regra de vender apenas 70% pelo preço que ofereceu no leilão, R$ 77,9. Nem os especialistas entenderam.
— O Bertin se declarou autoprodutor, mas para isso ele teria que consumir 400 MW médios. Eu não sei de nenhum projeto tão grande que a Bertin esteja construindo. Isso é energia equivalente a que a CSN consome — explica o consultor Mário Veiga, da PSR.
Mário Veiga é um entusiasta da energia hidrelétrica, e portanto é a favor da construção de Belo Monte. Mas ele diz duas coisas: Primeiro, a energia de Belo Monte sai por R$ 100 o MW/hora, e não pelo preço máximo (R$ 83) que o governo estabeleceu, e muito menos pelo que foi oferecido pelo grupo vencedor (R$ 77,9). Segundo, ele lamenta que tudo tenha sido feito como foi feito: — Era uma oportunidade de se fazer tudo direito, convencendo a sociedade da necessidade e oportunidade de explorar o potencial hídrico.
Feito às pressas com tudo atropelado, e ainda com mudança das condições financeiras já muito favorecidas nos últimos dias do leilão, só se consegue aumentar as resistências.
Hoje, Belo Monte tem todo tipo de opositor: quem acha que o processo de licenciamento foi mal feito; ou críticos por razões ambientais; outros a favor da hidrelétrica mas que não concordam com o processo; e quem está preocupado com o custo fiscal e o excesso de subsídios.
Ele explica que a pressa no caso não justifica esses métodos: — Em 2008, o país contratou muita energia para ser entregue em 2013 porque o crescimento era forte. O problema é que em 2009 o país não cresceu, e a demanda caiu. Mesmo projetando-se crescimento de 5% ao ano até 2013, chegaremos a 2014 com folga de 4 mil MW. Ou seja, seria muito mais razoável adiar o leilão, rediscutir o projeto e fazer com mais apoio da sociedade no ano que vem.
O professor Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da UFRJ, reafirma que Belo Monte só será economicamente viável se outros barramentos forem feitos no rio: — É um dia triste. Belo Monte é uma catástrofe social e ambiental. Só no capitalismo brasileiro se viu uma licitação com duas holdings contendo duas subsidiárias estatais uma contra a outra.
Tivemos uma grande operação financeira para bancar uma usina de baixo rendimento e alto impacto social e ambiental. A conta só fecha porque o Estado está assumindo o custo e a população não foi consultada.
Vainer lembra que haverá grande desperdício nas linhas de transmissão, que chegarão a 2 mil quilômetros de distância dos grandes centros.
As contestações judiciais vão continuar. O governo cometeu várias irregularidades durante todo o processo.
Há um rio de dúvidas em Belo Monte.
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